
Filhos fora do casamento: eles têm os mesmos direitos na herança?
Mitos, verdades e implicações legais sobre a partilha entre filhos biológicos, do casamento e socioafetivos.
“Ah, mas ele era só um filho fora do casamento…”
Essa frase, infelizmente, ainda ecoa em muitos processos de partilha de bens. E o que deveria ser um ato de justiça, dividir igualmente a herança entre os filhos, muitas vezes vira palco de preconceitos, disputas emocionais e mitos jurídicos que não encontram respaldo na lei.
Mas afinal, os filhos fora do casamento têm os mesmos direitos dos filhos do casamento? E os filhos socioafetivos, que não têm laço biológico, mas foram criados como parte da família, entram na partilha? A resposta, com base no que diz a legislação brasileira e as decisões recentes da Justiça, pode surpreender quem ainda acredita que existe hierarquia entre filhos quando o assunto é herança.
O que diz a lei: filhos são filhos. Ponto.
Desde a promulgação da Constituição de 1988, todos os filhos passaram a ter os mesmos direitos, independente de serem havidos dentro ou fora do casamento. Isso inclui filhos biológicos, adotivos e, em muitos casos, filhos reconhecidos judicialmente como socioafetivos.
Na prática, isso significa que nenhum filho pode ser discriminado no momento da divisão de bens, e essa é uma proteção constitucional, ou seja, superior até mesmo ao Código Civil ou a qualquer disposição testamentária que tente contrariar esse princípio.
“O vínculo de sangue deixou de ser o único elemento para definir filiação. O afeto, o reconhecimento público e a convivência também podem gerar direitos, inclusive sucessórios”, explica o advogado especialista em Direito de Família e Sucessões, Dr. Issei Yuki.
Filhos socioafetivos: o afeto também herda?
Sim, desde que haja reconhecimento legal ou judicial da filiação socioafetiva. O Supremo Tribunal Federal já reconheceu, em decisões emblemáticas, que o filho socioafetivo tem o mesmo direito à herança que o filho biológico ou adotivo, quando comprovado o vínculo afetivo e o exercício das funções parentais, como cuidados, criação, presença ativa na vida da criança ou adolescente.
No entanto, o reconhecimento dessa filiação exige provas concretas, e, muitas vezes, precisa ser formalizado antes da morte do suposto pai ou mãe para evitar disputas judiciais desgastantes e demoradas.
E quando não há testamento? Como funciona a partilha?
Se a pessoa falecida não deixou testamento, aplica-se a ordem de vocação hereditária prevista no Código Civil. Nela, os filhos — todos, sem distinção — são os primeiros herdeiros, dividindo a herança em partes iguais entre si.
Já no caso de haver cônjuge ou companheiro sobrevivente, o regime de bens do casamento ou da união estável pode alterar a forma como a herança será dividida, mas a igualdade entre filhos permanece garantida.
Principais mitos que ainda confundem as famílias
“Ele não era registrado, então não tem direito.”
Falso. É possível obter judicialmente o reconhecimento da paternidade ou maternidade após a morte, desde que existam provas materiais e testemunhais.
“Filho de caso extraconjugal não pode herdar o mesmo que os demais.”
Falso. A lei e a jurisprudência não fazem distinção entre filhos legítimos, ilegítimos ou adulterinos.
“Se ele foi criado pelo padrasto, não tem direito à herança do pai biológico.”
Depende. Se houver reconhecimento da paternidade socioafetiva e nenhum vínculo jurídico com o pai biológico, ele pode sim herdar, mas não poderá herdar de ambos, salvo exceções reconhecidas judicialmente.
O que fazer para evitar conflitos?
1. Testamento claro e legal: embora todos os filhos tenham direito à herança legítima (50% do patrimônio), o testamento pode ajudar a distribuir a outra metade com mais justiça e transparência.
2. Reconhecimento de filhos socioafetivos em vida: por meio de ação judicial ou escritura pública, evita disputas após o falecimento.
3. Diálogo em família: falar sobre sucessão ainda é um tabu, mas é essencial para evitar que o luto seja agravado por conflitos judiciais.
O advogado Issei Yuki conclui: A legislação brasileira tem avançado para reconhecer vínculos de afeto como legítimos, e isso inclui o direito à herança. Mas ainda vivemos em uma sociedade que confunde afeto com direito, e tenta hierarquizar relações familiares com base em preconceitos. A boa notícia é que o Direito de Família, com apoio de profissionais preparados, está cada vez mais voltado para equilibrar razão e sensibilidade.
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